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Avaliar o VO2Máx e treinar sobre % VO2Máx, faz sentido?

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Avaliar o VO2Máx e treinar sobre % VO2Máx, faz sentido?

Prof. Dênis Quadros
Ms. Treino de Alto Rendimento Desportivo

O consumo máximo de oxigénio ou simplesmente VO2Máx é tido como a máxima taxa de captação e de utilização do oxigénio durante um exercício de grande intensidade ao longo do tempo.

Este parâmetro fisiológico corresponde à fração da quantidade de sangue ejectada pelo coração por minuto (Débito Cardíaco – DC), multiplicado pela capacidade do músculo extrair oxigénio das artérias (diferença artério-venosa – dif. A-V). Entretanto, outros fatores, não só ao nível cardíaco ou circulatório, podem influenciar na eficácia do nosso organismo extrair e utilizar o oxigénio, como por exemplo a pressão atmosférica. Esta quando baixa acaba por interferir nos parâmetros cardiocirculatórios, nomeadamente com a diminuição do DC, o que também é bastante curioso já que, de acordo como modelo convencional, o DC é regulado pelas exigências de oxigénio do músculo, logo não deveria ser reduzido em situações deste género, pois em locais de grandes altitudes (1800 – 2000m) a demanda de oxigénio pelos músculos é ainda maior.

Inicialmente o VO2Máx era tido como a única capacidade fisiológica mais importante na determinação da performance de corredores de resistência e talvez por isso o treino para corredores de longas distâncias tenha-se afixado nesta teoria, que podemos observar inclusivamente no elevado número de artigos de revisão e materiais de treino que acabam tendo como objetivo a melhoria do VO2Máx.

Entretanto, recentemente, a legitimidade do VO2Máx tem vindo a ser discutida, dado que estudos têm mostrado que o VO2Máx não é realmente uma medida representativa da capacidade máxima de transporte de oxigénio. Este seria controlado por uma espécie de “Governador” do sistema nervoso central que regularia previamente o nosso corpo diante do esforço “máximo” a fim de evitar a isquemia miocárdica durante o exercício. Isto seria conseguido através da limitação do fluxo de sangue para a periferia, comandado pelo cérebro através do controlo do recrutamento muscular (Noakes & Marino, 2009). Logo, esta teoria responde em parte à situação da diminuição do DC em situações de altitude (hipóxia), justificado pelo facto de haver uma diminuição na activação dos músculos nestas situações e quando fosse restabelecida a normalidade da oferta de oxigénio, o DC voltaria a aumentar imediatamente para os níveis normais.

Portanto, se entendermos isso, entenderemos também que, quando usamos o VO2Máx e/ou percentuais de VO2Máx para administrar as cargas do treino, podemos não estar a dar os estímulos de treino que nós pensamos ser as ideais.

Então a pergunta é: devemos treinar para uma melhoria do VO2Máx?

Segundo os resultados mostrados em alguns estudos (Legaz Arrese et al., 2005; Legaz-Arrese et al., 2007; Vollaard et al. 2009) e inclusivamente após o relato do professor Andrew Jones, fisiologista da actual recordista mundial em maratonas Paula Radcliffe (2h15min25), durante a sua apresentação no congresso em Lisboa no fim do ano passado, mostrou que ela manteve estável o seu VO2Máx de 1992 a 2003 em torno de 70mL.kg–1.min–1, mesmo tendo um aumento substancial do volume e da intensidade do treino durante este período, passando de 25-30km por semana para 120-160km por semana quando atingiu o recorde. Portanto, VO2Máx e desempenho são coisas distintas, mesmo podendo ser aumentado ou diminuído – mesmo que de forma não tão expressiva – , mas isto não significando que o desempenho vai mudar na mesma proporção. Isto tudo é a chave para entender o porquê de muitas vezes os estudos apresentarem os efeitos do treino sobre VO2Máx e não sobre o desempenho.

Neste sentido, dado que VO2Máx não muda em corredores de elite e não se correlaciona com o desempenho, a preparação focada em melhorias do VO2Máx não parece ser uma ideia muito lógica para os corredores bem treinados.

Logo ficam estas questões de fundo: porquê tanto treino voltado para uma variável que não muda em atletas bem treinados, mal muda em moderadamente treinados, e nem sequer se correlaciona bem com o desempenho? Faz sentido basear o treino sobre esta variável?

REFERENCIAS
Legaz Arrese, A., Serrano Ostáriz, E., Jcasajús Mallén, J. A., & Munguía Izquierdo, D. (2005). The changes in running performance and maximal oxygen uptake after long-term training in elite athletes. J. Sports Med. Phys. Fitness, 45(4), 435–40.

Legaz Arrese, Munguía Izquierdo, D., Nuviala Nuviala, A., Serveto-Galindo, O., Moliner Urdiales, D., & Reverter Masia, J. (2007). Average VO2max as a function of running performances on different distances. Science & Sports, 22(1), 43–49.

Vollaard, N. B. J., Constantin-Teodosiu, D., Fredriksson, K, Rooyackers, O., Jansson, E., Greenhaff, P. L., Timmons, J. A., & Sundberg, C. J. (2009). Systematic analysis of adaptations in aerobic capacity and submaximal energy metabolism provides a unique insight into determinants of human aerobic performance. J. Appl. Physiol, 106, 1479–1486.

Noakes, T. D. (2008). How did A.V. Hill understand the VO2max and the “plateau phenomenon”? Still no clarity? Br. J. Sports Med., 42(7), 574–580.

Noakes, T. D., & Marino, F. E. (2009). Point: counterpoint: maximal oxygen uptake is/is not limited by a central nervous system governor. J. Appl. Physiol, 106, 338–339.

Andrew Jones (2014). Physiological demands and limitations to performance in endurance sports. – Lisboa: Federação Portuguesa de Atletismo – V Congresso Internacional da Corrida, Lisboa, 2014.

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